terça-feira, 27 de março de 2012


A propósito do Combate de Arroyo de Molinos



No dia 28 de Outubro de 1811 registou-se o combate de Arroyo de Molinos sobre o qual foi, recentemente, publicado um artigo na Wikipédia. Há um aspecto desta operação militar que merece ser realçado: a marcha.

Como podemos ver no artigo acima referido, a perseguição às tropas de Girard começou a 22 de Outubro. Isto significa que a marcha executada pelas tropas britânicas, portuguesas e espanholas, que perseguiam, e as tropas francesas, que eram perseguidas, durou seis dias. No primeiro dia os Aliados percorreram perto de 50 Km. No último dia de marcha antes do combate (27 de Outubro), os Aliados percorreram cerca de 45 Km. A maior parte do percurso foi feito debaixo de chuva intensa. Para descansar, à noite, tinham o solo molhado e embrulhavam-se nas suas mantas ou capotes encharcados.

Devemos ter em atenção, antes de mais, que não estamos a falar de militares fardados com uniformes adequados a um determinado clima, protegendo-se com impermeáveis leves, calçando botas confortáveis com sola de boa borracha, comendo rações de combate estudadas por nutricionistas, etc. Estamos a falar de soldados que fardavam com tecidos grosseiros e calçavam sapatos de sola e estavam, normalmente, mal alimentados. Estavam habituados a uma vida dura? Sem dúvida, mas isso apenas os preparava para suportar melhor as situações difíceis por que passavam sem lhes aumentar a resistência.

Na época da Guerra Peninsular, as longas marchas eram a única forma de transportar as tropas por terra. Se os rios eram navegáveis e se existiam meios disponíveis, o percurso podia ser feito em embarcações fluviais. Mas este meio apenas podia ser aplicado a um número limitado de tropas. Era pois necessário preparar os soldados para essas marchas.

Se procurarmos nas Ordens do Dia de Beresford, encontramos algumas referências a esse treino e à forma como as marchas deviam ser executadas. As transcrições que a seguir se apresentam dão-nos uma ideia das preocupações relativas a esta actividade. Vejamos então:


ORDEM DO DIA DE 15 DE SETEMBRO DE 1809
que os Corpos de Infantaria além de se instruírem em exercícios, se instruam também em marchas, para o que duas vezes cada semana de manhã cedo sairão do seu Quartel, e marcharão até à distância de légua e meia, e mesmo duas léguas, sem tocarem os tambores, levando uma vanguarda, e uma retaguarda, e seguindo todas as mais regras, e com a mesma exacção, como se estivessem próximos do inimigo: e os Oficiais superiores obrigarão os Capitães a que cumpram os seus deveres, e estes os seus Subalternos, e os Oficiais Inferiores a cumprirem com os seus, e particularmente em fazerem que os soldados marchem no seu lugar, e na melhor ordem, e será o primeiro cuidado da retaguarda impedir que ninguém fique atrás.

Nota: a légua era uma medida de extensão variável de local para local. A légua portuguesa, que era igual à castelhana, tinha 6.195 metros. Normalmente, defenia-se a légua como sendo a distância que um homem a pé podia percorrer numa hora. Para uma informação sobre as medidas podem-se ler, além do que foi publicado na Wikipédia (com uma boa bibliografia), o artigo Do Pé Real à Légua da Póvoa, pelo Tenente-coronel José João de Sousa Cruz, publicado na Revista Militar nº 2491, página 1035, de 2009 (pode ser lido em http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=500 )

ORDEM DO DIA DE 5 DE ABRIL DE 1810

O Illmo e Exmo Senhor Marechal Beresford, Comandante em Chefe do Exército, atendendo a que os Corpos de Infantaria estão presentemente chegados a um ponto de disciplina bastante avançado, Determina aos Senhores Comandantes de Brigadas e de Corpos, apliquem dois dias de cada semana para o exercício de marcha d’estrada, ao qual não faltará indivíduo algum, excepto Recrutas e Instrutores: Os Corpos se formarão para esta qualidade de exercício, preparados da mesma forma, e com bagagens e munições, como se pratica nas marchas, e marcharão até uma ou duas léguas de distância dos seus Quartéis, conforme julgarem conveniente os Senhores Comandantes. Durante a marcha os Soldados serão exercitados no modo de passar obstáculos, diminuindo e aumentando a frente das Divisões, e a formar em linha na marcha sobre a direita e sobre a esquerda, e sobre toda qualquer outra direcção. Os Corpos serão também instruídos na diferença que há de Coluna de marcha a Coluna de Manobra, e da necessidade de observar as regras da primeira, assim como, que para se executarem bem as manobras é preciso observarem as regras da segunda.

Ordena o Senhor Marechal, que daqui em diante Corpo algum de Infantaria marche do lugar, onde estiver de Quartel mesmo sendo para um lugar vizinho a fazer exercício, sem as suas vanguardas regulares, e que nas marchas acima determinadas os Senhores Comandantes façam conhecer o uso destas vanguardas, e retaguardas, e lhes ensinem a prática.

É contra a intenção do Senhor Marechal que as sobreditas marchas interrompam a instrução das Recrutas; só as devem fazer aqueles indivíduos que já estão instruídos no exercício, e que tem sido julgados capazes de entrarem nas fileiras, e deseja que nestas marchas não se obrigue o Soldado a ir de modo que lhe resulte absoluta fadiga: quatro ou cinco horas de marcha com meia hora de descanso não produzirá um tal efeito; porém a prudência dos Senhores Comandantes deve regular esta objecto, tendo eles atenção às circunstâncias em que se acharem os Corpos.