sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Wellington na Batalha de Salamanca

Com algum atraso é publicado este apontamento sobre a Batalha de Salamanca.  Não gostaria de deixar para o próximo ano o que deve ser publicado ainda em 2012. Possivelmente deveria ser revisto e corrigido mas todos sabemos que a intenção é lembrar ou divulgar factos da nossa História Militar e não produzir uma obra literária de qualidade. A minha preocupação é apenas a de publicar textos facilmente compreensíveis. Se assim não forem, utilizem o espaço dedicado aos comentários, sem qualquer cerimonia.  Tentarei no ano de 2013 publicar os artigos referentes aos acontecimentos de 1813. Bom ano a todos os leitores, com paz, saúde e força para vencer os obstáculos.

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 Muitos militares franceses, e também muitos historiadores, viram Wellington como um comandante vocacionado para as acções defensivas. Excessivamente prudente.  Por outras palavras, era suposto que Wellington, sempre que dispusesse do terreno adequado, assumisse uma postura defensiva. Nesta forma de ver, quase poderíamos dizer que Wellington não ganhava as batalhas, mas o adversário perdia-as.
Desde a sua primeira estadia na Península Ibérica, em 1808, até à Batalha de Salamanca, em 1812, Wellington conduziu acções defensivas e ofensivas. Vejamos, de forma muito sumária, os principais acontecimentos.
1º Duque de Wellington

O Tenente-general Sir Arthur Wellesley chegou a Portugal no Verão de 1808, durante a Primeira Invasão Francesa. No seu avanço para Sul (o objectivo era Lisboa), atacou as forças francesas sob o comando do General Henri François Delaborde na Roliça e avançou até à região do Vimeiro onde colocou as suas forças num dispositivo defensivo destinado a proteger o desembarque de mais tropas britânicas em Porto Novo, na foz do rio Alcabrichel. Wellington regressou a Inglaterra em 1808 e voltou a Portugal no ano seguinte, durante a Segunda Invasão Francesa, para expulsar o exército do Marechal Jean de Dieu Soult. Neste caso as suas acções foram sempre ofensivas e a Batalha do Douro mostrou a disposição de aproveitar todas as oportunidades para atacar mesmo em situações que envolviam maior risco. Foi também ofensiva a atitude seguinte que conduziu à Campanha de Talavera. A pouca ou nenhuma vontade dos Espanhóis em colaborarem com Wellington obrigou-o a uma postura defensiva na Batalha de Talavera (importante vitória britânica) a que se seguiu uma retirada para a região de Elvas. Mas no ano de 1810 houve ainda uma Terceira Invasão Francesa.

As acções do exército anglo-luso em 1810 foram sempre defensivas. Começaram com o Combate do Côa e o Cerco de Almeida. Seguiu-se a Batalha do Buçaco em que Wellington colocou o seu exército numa formidável posição defensiva. Foi a primeira grande batalha do exército anglo-luso contra as forças francesas. Esta batalha terminou com uma vitória dos Aliados que conseguiram manter as suas posições fazendo fracassar o ataque francês. No entanto, quando as tropas francesas começaram a tornear as posições defensivas do Buçaco, Wellington teve de dar ordem de retirada. Esta foi uma operação defensiva que terminou quando o exército anglo-luso entrou no sistema defensivo constituído pelas Linhas de Torres Vedras e foi ainda numa atitude defensiva que se mantiveram estas forças até Março de 1811, quando o comandante francês, André Massena, iniciou a retirada.

Wellington não foi suficientemente enérgico na perseguição às forças francesas em retirada? Não procurou aniquilar a força inimiga, limitando-se a impedir que esta se organizasse defensivamente? Wellington foi, principalmente, prudente. Por duas razões: primeiro, porque o avanço das suas forças estava condicionado pela capacidade do apoio logístico; segundo, o exército de Massena continuava a ser uma força difícil de bater. Os recursos logísticos eram essenciais para manter a operacionalidade das tropas e, durante a perseguição, as tropas anglo-lusas tiveram de fazer uma pausa para permitir que os abastecimentos chegassem de Coimbra. A alternativa seria a de ficarem na mesma situação de penúria alimentar que os seus oponentes. Mas estes eram ainda uma força temível e Wellington tinha boa consciência disso. Basta seguir o excelente trabalho feito pela guarda de retaguarda sob o comando do Marechal Michel Ney. Por fim, as forças francesas, exaustas, fizeram uma pausa demasiado longa e o resultado foi a Batalha do Sabugal. Wellington não perdeu uma excelente oportunidade de lançar um ataque destinado a aniquilar todo um corpo de exército. A má execução de William Erskine, então comandante da Divisão Ligeira, impediu que esse objectivo fosse atingido, mas o brilhante comportamento dos seus comandantes de brigada permitiu empurrar o exército francês para fora de Portugal.

A justificar a prudência de Wellington, o Exército de Portugal, sob o comando de Massena, recompôs-se rapidamente. Apenas um mês depois da Batalha do Sabugal, os dois exércitos defrontavam-se em Fuentes de Oñoro. Os Aliados ocuparam uma posição defensiva e o ataque francês fracassou. Almeida seria libertada poucos dias depois com a espectacular fuga da guarnição francesa. Agora, para avançar sobre a capital espanhola, Wellington teria de garantir o controlo das praças que dominavam os corredores de invasão: Almeida e Ciudad Rodrigo a Norte, Elvas e Badajoz a Sul. Ciudad Rodrigo caiu a 19 de Janeiro de 1812 e Badajoz a 6 de Abril desse ano. Só então estavam reunidas as condições para avançar em Espanha, quer a Norte, quer a Sul. O próximo objectivo seria Salamanca.

Durante este período, de 1809 a 1812, vemos o exército anglo-luso realizar acções ofensivas e defensivas, recuar e avançar. No final, os avanços prevaleceram sobre os recuos e não encontramos nenhuma batalha importante em que Wellington tenha sido derrotado. Recuou após a Batalha de Talavera porque houve falta de apoio por parte dos generais espanhóis e porque corria o risco de ficar com as suas linhas de comunicação cortadas, mas não foi derrotado. Recuou após a Batalha do Buçaco para ocupar posições nas Linhas de Torres Vedras e aguardar por condições mais favoráveis para retomar a iniciativa, o que aconteceu em Março do ano seguinte. O seu exército voltou a travar batalhas defensivas em Fuentes de Oñoro e Albuera (aqui sob o comando de Beresford) para protegerem as operações de cerco em Almeida e em Badajoz.


A atitude defensiva que durante muito tempo Wellington foi obrigado a assumir permitiu-lhe poupar o seu exército e, tão importante como isso, os seus opositores viram-no cada vez mais como um comandante muito prudente. Se o viam ocupar uma posição para aceitar batalha, concluíam que ele tinha concentrado a totalidade da sua força e, certamente, encontrava-se numa situação de alguma vantagem. Mas a conquista da praça de Badajoz revelou um outro lado do seu carácter. Nesta operação Wellington tinha limitações de tempo. A praça deveria estar tomada antes que os exércitos franceses do Norte e da Andaluzia se reunissem para o atacar e empurrar para o território português. Este factor tempo obrigou que o assalto à praça fosse efectuado antes de o trabalho da engenharia e da artilharia estar terminado. O sucesso foi obtido com o lançamento de três ataques simultâneos (dois foram bem sucedidos) e à custa de elevadas baixas. Charles Oman explica-nos que «Ele mostrou aqui, pela primeira vez, que podia, se fosse necessário, “gastar” sem remorsos a vida dos seus homens por forma a terminar em poucos dias uma tarefa que, se demorasse muito mais, teria que ser abandonada.»

Salamanca

Após um longo período defensivo, que teve início com a retirada de Talavera, Wellington reunia em 1812 as condições necessárias para um grande movimento ofensivo. Não se tratava de uma operação geral contra os exércitos franceses na Península. O objectivo era mais limitado: destruir o Exército de Portugal, agora sob o comando do Marechal Marmont, antes que qualquer dos outros exércitos franceses pudesse acorrer em seu socorro. 

O exército anglo-luso chegou a Salamanca no dia 17 de Junho. A cidade foi ocupada com excepção de três posições fortificadas mantidas por uma guarnição francesa. O Exército de Portugal, sob o comando do Marechal Auguste Frederic Louis Viesse de Marmont, encontrava-se em Fuentesauco, cerca de 35 Km a NE de Salamanca, mas ainda não estava completo. Algumas unidades ainda se encontravam em marcha e só ali chegaram depois do dia 20. Wellington deixou a 6ª Divisão em Salamanca, para conquistar as posições fortificadas, e ocupou uma linha de alturas entre San Cristóbal e o rio Tormes, a cerca de 9 Km a NE de Salamanca. Esta teria sido uma boa oportunidade para Wellington atacar Marmont? 

Se Wellington avançasse para atacar o exército francês corria o risco de perder o controlo das passagens do rio Tormes para algumas forças francesas que se encontravam mais a Sul. Por outras palavras, a sua linha de comunicações, já demasiado estendida, por onde recebia os abastecimentos essenciais à manutenção do seu exército, podia ser cortada. Wellington não podia correr esse risco. No entanto, três dias mais tarde (20 Junho), Marmont fez avançar o seu exército de forma que parecia ir atacar a posição defensiva dos Aliados. Wellington considerou que, apesar de essa ser uma ocasião favorável para atacar um inimigo que ainda não dispunha da totalidade das suas forças e não se encontrava em terreno favorável, seria mais vantajoso aguardar o ataque pois a «acção podia ser realizada com menos perdas do nosso lado» (despacho de Wellington para o Secretário da Guerra e Colónias, Lord Liverpool, a 25 de Junho). Um dos oficiais do estado-maior de Wellington, Sir William Warre, em carta da mesma data, escreveu que atacar os Franceses significava «… desistir de uma posição vantajosa, avançar uma grande distância num terreno plano sem qualquer cobertura, expondo as tropas a um intenso fogo inimigo. … as suas perdas seriam muito superiores do que as que teria esperando pelo inimigo e que uma grande vitória para o seu exército seria quase uma derrota (devido às perdas daí resultantes).»

Wellington seguiu o exército francês até ao Douro quando aquele passou para a margem Norte do rio. Dadas as condições do terreno não se atreveu a lançar um ataque que dificilmente teria sucesso. Quando Marmont voltou a atravessar o Douro e se dirigiu para Salamanca, ambos os exércitos executaram o mesmo movimento, paralelamente, vigiando-se mais numa atitude de prudência que da procura de uma oportunidade para atacar. Segundo nos descreve o historiador britânico Sir John William Fortescue, Wellington afirmou que não atacaria Marmont sem se encontrar em posição vantajosa e que, acreditava, o comandante francês faria o mesmo.

Na margem Sul do Tormes o exército francês seguiu para Oeste, na direcção da fronteira portuguesa. A linha de comunicações de Wellington ficava ameaçada e, portanto, ele corria o risco de ficar isolado no território espanhol, perante o exército de Marmont e outras forças que eventualmente poderiam começar a chegar e a reforçar o Exército de Portugal. Nesta situação, para um comandante que não deseja de forma nenhuma correr o risco de atacar uma força de dimensão idêntica, apenas resta a solução da retirada. Ao longo do dia, apesar de algumas posições dominantes do terreno virem a ser disputadas aos Franceses em combates de menor importância, a maioria dos oficiais do exército anglo-luso acreditava que o próximo passo seria a retirada para Portugal. Os trens já tinham sido enviados pela estrada para Ciudad Rodrigo, escoltados por um regimento de cavalaria português. Marmont estava igualmente convicto que esta seria a atitude de Wellington. A ideia que tinha do comandante britânico era que se tratava de um oficial tímido, excessivamente prudente e, por isso, não iria arriscar o seu exército num confronto de desfecho duvidoso. Marmont não teve presente a atitude audaciosa de Wellington na batalha do Douro em 1809 nem a determinação evidenciada nos cercos de Ciudad Rodrigo e Badajoz, já em 1812.

O comandante francês não podia observar todo o exército anglo-luso. Uma boa parte dele estava oculto pelos acidentes do terreno. Por outro lado, ao observar a poeira levantada na estrada para Ciudad Rodrigo pelos trens em retirada, ficou convencido que as forças anglo-lusas que conseguia localizar não constituíam mais que uma guarda de retaguarda. Por isso, mandou avançar algumas das suas divisões para Oeste, estendendo demasiado o seu dispositivo. As três divisões da frente ficaram fora do alcance de apoio do restante exército. Wellington viu esse erro de Marmont e não perdeu tempo. Tinha surgido uma oportunidade que só um comandante tímido e excessivamente prudente iria desperdiçar. 

O resultado foi a Batalha de Salamanca em que o Exército de Portugal sofreu a sua pior e definitiva derrota. O ataque súbito e imprevisto do exército anglo-luso, a derrota de todo um exército num espaço de tempo tão curto (a batalha foi decidida numa tarde), deram a Wellington uma ascendência moral sobre os Franceses que ele não perdeu até ao fim da guerra apesar de ainda vir a ser obrigado a efectuar algumas retiradas. O General Foy, que esteve presente na batalha deixou no seu diário observações que comparavam Wellington a Malborough ou a Frederico, o Grande. E acrescenta: «Até este dia, conhecíamos a sua prudência, a sua capacidade para escolher boas posições e a habilidade com que as utilizava. Mas em Salamanca ele mostrou ser um grande e competente mestre a manobrar.» Para o resto da guerra, foi esta a sua característica mais visível sem que a prudência alguma vez o impedisse de optar por atitudes defensivas sempre que tal se revelou vantajoso.

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