Wellington na Batalha de Salamanca
Com algum atraso é publicado este apontamento sobre a Batalha de Salamanca. Não gostaria de deixar para o próximo ano o que deve ser publicado ainda em 2012. Possivelmente deveria ser revisto e corrigido mas todos sabemos que a intenção é lembrar ou divulgar factos da nossa História Militar e não produzir uma obra literária de qualidade. A minha preocupação é apenas a de publicar textos facilmente compreensíveis. Se assim não forem, utilizem o espaço dedicado aos comentários, sem qualquer cerimonia. Tentarei no ano de 2013 publicar os artigos referentes aos acontecimentos de 1813. Bom ano a todos os leitores, com paz, saúde e força para vencer os obstáculos.
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Muitos militares franceses, e também muitos historiadores,
viram Wellington como um comandante vocacionado para as acções defensivas. Excessivamente
prudente. Por outras palavras, era
suposto que Wellington, sempre que dispusesse do terreno adequado, assumisse
uma postura defensiva. Nesta forma de ver, quase poderíamos dizer que
Wellington não ganhava as batalhas, mas o adversário perdia-as.
Desde a sua primeira estadia na Península Ibérica, em 1808,
até à Batalha de Salamanca, em 1812, Wellington conduziu acções defensivas e
ofensivas. Vejamos, de forma muito sumária, os principais acontecimentos.
O Tenente-general Sir Arthur Wellesley chegou a Portugal no
Verão de 1808, durante a Primeira Invasão Francesa. No seu avanço para Sul (o
objectivo era Lisboa), atacou as forças francesas sob o comando do General
Henri François Delaborde na Roliça e avançou até à região do Vimeiro onde colocou
as suas forças num dispositivo defensivo destinado a proteger o desembarque de mais tropas britânicas em Porto Novo, na foz do rio Alcabrichel. Wellington regressou a
Inglaterra em 1808 e voltou a Portugal no ano seguinte, durante a Segunda Invasão Francesa, para expulsar o exército do Marechal Jean de Dieu Soult.
Neste caso as suas acções foram sempre ofensivas e a Batalha do Douro mostrou a
disposição de aproveitar todas as oportunidades para atacar mesmo em situações
que envolviam maior risco. Foi também ofensiva a atitude seguinte que conduziu
à Campanha de Talavera. A pouca ou nenhuma vontade dos Espanhóis em colaborarem
com Wellington obrigou-o a uma postura defensiva na Batalha de Talavera
(importante vitória britânica) a que se seguiu uma retirada para a região de
Elvas. Mas no ano de 1810 houve ainda uma Terceira Invasão Francesa.
As acções do exército anglo-luso em 1810 foram sempre
defensivas. Começaram com o Combate do Côa e o Cerco de Almeida. Seguiu-se a
Batalha do Buçaco em que Wellington colocou o seu exército numa formidável
posição defensiva. Foi a primeira grande batalha do exército anglo-luso contra
as forças francesas. Esta batalha terminou com uma vitória dos Aliados que
conseguiram manter as suas posições fazendo fracassar o ataque francês. No
entanto, quando as tropas francesas começaram a tornear as posições defensivas
do Buçaco, Wellington teve de dar ordem de retirada. Esta foi uma operação
defensiva que terminou quando o exército anglo-luso entrou no sistema defensivo
constituído pelas Linhas de Torres Vedras e foi ainda numa atitude defensiva
que se mantiveram estas forças até Março de 1811, quando o comandante francês,
André Massena, iniciou a retirada.
Wellington não foi suficientemente enérgico na perseguição
às forças francesas em retirada? Não procurou aniquilar a força inimiga,
limitando-se a impedir que esta se organizasse defensivamente? Wellington foi,
principalmente, prudente. Por duas razões: primeiro, porque o avanço das suas
forças estava condicionado pela capacidade do apoio logístico; segundo, o
exército de Massena continuava a ser uma força difícil de bater. Os recursos
logísticos eram essenciais para manter a operacionalidade das tropas e, durante
a perseguição, as tropas anglo-lusas tiveram de fazer uma pausa para permitir
que os abastecimentos chegassem de Coimbra. A alternativa seria a de ficarem na
mesma situação de penúria alimentar que os seus oponentes. Mas estes eram ainda
uma força temível e Wellington tinha boa consciência disso. Basta seguir o
excelente trabalho feito pela guarda de retaguarda sob o comando do Marechal Michel Ney. Por fim, as forças francesas, exaustas, fizeram uma pausa demasiado longa
e o resultado foi a Batalha do Sabugal. Wellington não perdeu uma excelente
oportunidade de lançar um ataque destinado a aniquilar todo um corpo de
exército. A má execução de William Erskine, então comandante da Divisão
Ligeira, impediu que esse objectivo fosse atingido, mas o brilhante
comportamento dos seus comandantes de brigada permitiu empurrar o exército
francês para fora de Portugal.
A justificar a prudência de Wellington, o Exército de Portugal, sob o comando de
Massena, recompôs-se rapidamente. Apenas um mês depois da Batalha do Sabugal,
os dois exércitos defrontavam-se em Fuentes de Oñoro. Os Aliados ocuparam uma
posição defensiva e o ataque francês fracassou. Almeida seria libertada poucos
dias depois com a espectacular fuga da guarnição francesa. Agora, para avançar
sobre a capital espanhola, Wellington teria de garantir o controlo das praças
que dominavam os corredores de invasão: Almeida e Ciudad Rodrigo a Norte, Elvas
e Badajoz a Sul. Ciudad Rodrigo caiu a 19 de Janeiro de 1812 e Badajoz a 6 de
Abril desse ano. Só então estavam reunidas as condições para avançar em
Espanha, quer a Norte, quer a Sul. O próximo objectivo seria Salamanca.
Durante este período, de 1809 a 1812, vemos o exército anglo-luso
realizar acções ofensivas e defensivas, recuar e avançar. No final, os avanços
prevaleceram sobre os recuos e não encontramos nenhuma batalha importante em
que Wellington tenha sido derrotado. Recuou após a Batalha de Talavera porque
houve falta de apoio por parte dos generais espanhóis e porque corria o risco
de ficar com as suas linhas de comunicação cortadas, mas não foi derrotado.
Recuou após a Batalha do Buçaco para ocupar posições nas Linhas de Torres
Vedras e aguardar por condições mais favoráveis para retomar a iniciativa, o
que aconteceu em Março do ano seguinte. O seu exército voltou a travar batalhas
defensivas em Fuentes de Oñoro e Albuera (aqui sob o comando de Beresford) para
protegerem as operações de cerco em Almeida e em Badajoz.
A atitude defensiva que durante muito tempo Wellington foi
obrigado a assumir permitiu-lhe poupar o seu exército e, tão importante como
isso, os seus opositores viram-no cada vez mais como um comandante muito
prudente. Se o viam ocupar uma posição para aceitar batalha, concluíam que ele
tinha concentrado a totalidade da sua força e, certamente, encontrava-se numa
situação de alguma vantagem. Mas a conquista da praça de Badajoz revelou um
outro lado do seu carácter. Nesta operação Wellington tinha limitações de
tempo. A praça deveria estar tomada antes que os exércitos franceses do Norte e
da Andaluzia se reunissem para o atacar e empurrar para o território português.
Este factor tempo obrigou que o assalto à praça fosse efectuado antes de o
trabalho da engenharia e da artilharia estar terminado. O sucesso foi obtido
com o lançamento de três ataques simultâneos (dois foram bem sucedidos) e à
custa de elevadas baixas. Charles Oman explica-nos que «Ele mostrou aqui, pela
primeira vez, que podia, se fosse necessário, “gastar” sem remorsos a vida dos
seus homens por forma a terminar em poucos dias uma tarefa que, se demorasse
muito mais, teria que ser abandonada.»
Salamanca
Após um longo período defensivo, que teve início com a
retirada de Talavera, Wellington reunia em 1812 as condições necessárias para
um grande movimento ofensivo. Não se tratava de uma operação geral contra os
exércitos franceses na Península. O objectivo era mais limitado: destruir o Exército de Portugal, agora sob o
comando do Marechal Marmont, antes que qualquer dos outros exércitos franceses
pudesse acorrer em seu socorro.
O exército anglo-luso chegou a Salamanca no dia 17 de Junho.
A cidade foi ocupada com excepção de três posições fortificadas mantidas por
uma guarnição francesa. O Exército de
Portugal, sob o comando do Marechal Auguste Frederic Louis Viesse de Marmont,
encontrava-se em Fuentesauco, cerca de 35 Km a NE de Salamanca, mas ainda não
estava completo. Algumas unidades ainda se encontravam em marcha e só ali
chegaram depois do dia 20. Wellington deixou a 6ª Divisão em Salamanca, para
conquistar as posições fortificadas, e ocupou uma linha de alturas entre San
Cristóbal e o rio Tormes, a cerca de 9 Km a NE de Salamanca. Esta teria sido
uma boa oportunidade para Wellington atacar Marmont?
Se Wellington avançasse para atacar o exército francês
corria o risco de perder o controlo das passagens do rio Tormes para algumas
forças francesas que se encontravam mais a Sul. Por outras palavras, a sua
linha de comunicações, já demasiado estendida, por onde recebia os
abastecimentos essenciais à manutenção do seu exército, podia ser cortada.
Wellington não podia correr esse risco. No entanto, três dias mais tarde (20
Junho), Marmont fez avançar o seu exército de forma que parecia ir atacar a posição
defensiva dos Aliados. Wellington considerou que, apesar de essa ser uma
ocasião favorável para atacar um inimigo que ainda não dispunha da totalidade
das suas forças e não se encontrava em terreno favorável, seria mais vantajoso
aguardar o ataque pois a «acção podia
ser realizada com menos perdas do nosso lado» (despacho de Wellington para o
Secretário da Guerra e Colónias, Lord Liverpool, a 25 de Junho). Um dos oficiais
do estado-maior de Wellington, Sir William Warre, em carta da mesma data,
escreveu que atacar os Franceses significava «… desistir de uma posição
vantajosa, avançar uma grande distância num terreno plano sem qualquer
cobertura, expondo as tropas a um intenso fogo inimigo. … as suas perdas seriam
muito superiores do que as que teria esperando pelo inimigo e que uma grande
vitória para o seu exército seria quase uma derrota (devido às perdas daí
resultantes).»
Wellington seguiu o exército francês até ao Douro quando
aquele passou para a margem Norte do rio. Dadas as condições do terreno não se
atreveu a lançar um ataque que dificilmente teria sucesso. Quando Marmont voltou
a atravessar o Douro e se dirigiu para Salamanca, ambos os exércitos executaram
o mesmo movimento, paralelamente, vigiando-se mais numa atitude de prudência
que da procura de uma oportunidade para atacar. Segundo nos descreve o
historiador britânico Sir John William Fortescue, Wellington afirmou que não
atacaria Marmont sem se encontrar em posição vantajosa e que, acreditava, o
comandante francês faria o mesmo.
Na margem Sul do Tormes o exército francês seguiu para
Oeste, na direcção da fronteira portuguesa. A linha de comunicações de
Wellington ficava ameaçada e, portanto, ele corria o risco de ficar isolado no
território espanhol, perante o exército de Marmont e outras forças que
eventualmente poderiam começar a chegar e a reforçar o Exército de Portugal. Nesta situação, para um comandante que não
deseja de forma nenhuma correr o risco de atacar uma força de dimensão
idêntica, apenas resta a solução da retirada. Ao longo do dia, apesar de
algumas posições dominantes do terreno virem a ser disputadas aos Franceses em
combates de menor importância, a maioria dos oficiais do exército anglo-luso
acreditava que o próximo passo seria a retirada para Portugal. Os trens já
tinham sido enviados pela estrada para Ciudad Rodrigo, escoltados por um
regimento de cavalaria português. Marmont estava igualmente convicto que esta
seria a atitude de Wellington. A ideia que tinha do comandante britânico era
que se tratava de um oficial tímido, excessivamente prudente e, por isso, não
iria arriscar o seu exército num confronto de desfecho duvidoso. Marmont não
teve presente a atitude audaciosa de Wellington na batalha do Douro em 1809 nem
a determinação evidenciada nos cercos de Ciudad Rodrigo e Badajoz, já em 1812.
O comandante francês não podia observar todo o exército anglo-luso.
Uma boa parte dele estava oculto pelos acidentes do terreno. Por outro lado, ao
observar a poeira levantada na estrada para Ciudad Rodrigo pelos trens em
retirada, ficou convencido que as forças anglo-lusas que conseguia localizar
não constituíam mais que uma guarda de retaguarda. Por isso, mandou avançar
algumas das suas divisões para Oeste, estendendo demasiado o seu dispositivo.
As três divisões da frente ficaram fora do alcance de apoio do restante
exército. Wellington viu esse erro de Marmont e não perdeu tempo. Tinha surgido
uma oportunidade que só um comandante tímido e excessivamente prudente iria
desperdiçar.
O resultado foi a Batalha de Salamanca em que o Exército de Portugal sofreu a sua pior e
definitiva derrota. O ataque súbito e imprevisto do exército anglo-luso, a
derrota de todo um exército num espaço de tempo tão curto (a batalha foi
decidida numa tarde), deram a Wellington uma ascendência moral sobre os
Franceses que ele não perdeu até ao fim da guerra apesar de ainda vir a ser
obrigado a efectuar algumas retiradas. O General Foy, que esteve presente na
batalha deixou no seu diário observações que comparavam Wellington a Malborough
ou a Frederico, o Grande. E acrescenta: «Até este dia, conhecíamos a sua
prudência, a sua capacidade para escolher boas posições e a habilidade com que
as utilizava. Mas em Salamanca ele mostrou ser um grande e competente mestre a
manobrar.» Para o resto da guerra, foi esta a sua característica mais visível
sem que a prudência alguma vez o impedisse de optar por atitudes defensivas
sempre que tal se revelou vantajoso.
Vale a pena ver: