Infantaria versus Cavalaria
O caso de Albuera
Na época napoleónica, a maior parte da Infantaria combatia em ordem cerrada, isto é, em formações densas em que os seus elementos se dispunham em linha ou em coluna consoante se pretendia tirar maior partido do poder de fogo ou do poder de choque. Em qualquer dos casos, os soldados de infantaria actuavam integrados num dispositivo que devia manter-se coeso. Por norma, só as companhias de infantaria ligeira, representadas em Portugal pelos Caçadores, combatiam em ordem aberta. Quando atacada pela cavalaria, a infantaria utilizava, sempre que possível, o dispositivo mais adequado para enfrentar aquela ameaça: dispositivo em quadrado.
Fosse qual fosse o dispositivo adoptado - linha, coluna, quadrado, ordre mixte - cada companhia de infantaria (seis a nove companhias formavam um batalhão) formava em linha com duas ou três fileiras de profundidade, com uma frente de trinta ou quarenta homens. A linha foi o dispositivo normal da infantaria no século XVIII e manteve muita da sua importância nas Guerras da Revolução Francesa e nas Guerras Napoleónicas. Ao dispor os soldados em linha tirava-se o máximo rendimento dos mosquetes disponíveis, ou seja, obtinha-se o máximo poder de fogo pois a maior parte das armas podia ser utilizada.
A linha apresentava, no entanto, algumas desvantagens. Entre elas, a de que os seus flancos tornavam-se muito vulneráveis a um ataque lançado de surpresa pela infantaria ou cavalaria inimiga. Esta situação podia pôr em perigo a sobrevivência de uma brigada, ou até de uma divisão. Para minimizar este perigo eram adoptadas medidas especiais de protecção: os batalhões em cada extremo da linha formavam em coluna ou em quadrado.
Representação da cavalaria ligeira britânica durante as comemorações do bicentenário da batalha de Albuera.
O cavaleiro da esquerda, à frente, enverga a farda dos Hussardos. Os restantes elementos da fotografia usam a farda dos dragões ligeiros.
Fotografia de José Vieira Pimenta, Torres Vedras.
A cavalaria foi sempre um elemento temido no combate, especialmente pela infantaria. A infantaria ligeira, dispersa no terreno, não tinha muitas possibilidades de sobreviver a um ataque da cavalaria. Apenas um terreno impróprio para as montadas a podia proteger. Por seu lado, a cavalaria não entrava no terreno ocupado por uma infantaria devidamente formada e coesa porque, para ter sucesso, precisava de quebrar a coesão do dispositivo da infantaria e isto significava que era necessário levar a infantaria a vacilar e, se possível, a fugir.
Para que a cavalaria conseguisse este objectivo tinha de assustar os combatentes de infantaria, fazer com que perdessem o domínio das suas acções. A velocidade com que a cavalaria atacava era assim mais importante do que a ordem ou dispositivo em que o fazia, embora devesse ter o cuidado de manter o máximo controlo da sua acção. A velocidade excitava os cavaleiros e dava-lhes coragem para ignorarem o fogo da infantaria e manterem o ímpeto do ataque. A infantaria, perante esta ameaça, corria o risco de cometer erros e o mais vulgar era começar a fazer fogo demasiado cedo, a um alcance a que, naquela época, as armas não permitiam obter a precisão do tiro. Os cavaleiros, por sua vez, ao constatarem a ineficácia do fogo da infantaria, sentiam-se encorajados, avançavam e tornavam-se tanto mais assustadores quanto mais próximos se encontravam. Um dos lados, infantaria ou cavalaria, tinha que ceder (MUIR, p. 130).
O melhor dispositivo que a infantaria podia adoptar contra este tipo de ataque era o quadrado. Um quadrado oco, em que cada um dos lados, com cerca de trinta metros, era formado pela infantaria disposta em linha com quatro a seis fileiras de profundidade. A fileira da frente colocava um joelho em terra, mantinha os mosquetes apontados para o exterior, assentava a coronha no chão e tinha as baionetas colocadas. À frente das restantes linhas que faziam fogo com os mosquetes, a primeira linha apresentava uma fileira de baionetas que conferiam segurança às linhas de trás. Estas iam-se revezando nas acções de disparar e carregar a arma.
Neste tipo de dispositivo, os oficias e os sargentos encontravam-se no centro do quadrado, de onde podiam mais facilmente acorrer aos pontos em que se verificasse algum sinal de desordem. Desta forma, era mais fácil manter a disciplina e o moral porque cada um dos homens sentia que estava integrado num conjunto firme. Eles sabiam também que o inimigo nunca os conseguiria atacar pelos flancos ou pela retaguarda pois o dispositivo estava voltado para todas as direcções. Mais do que no seu fogo, a infantaria formada em quadrado confiava na sua solidez. E este era o mais difícil obstáculo que a cavalaria tinha de vencer. Se a infantaria mantivesse a serenidade, um quadrado bem organizado era quase invulnerável.
O primeiro ataque a um quadrado era, normalmente o mais perigoso porque, se a infantaria vacilasse e a cavalaria entrasse no quadrado, dificilmente haveria nova oportunidade de reorganizar o dispositivo. No entanto, se o ataque da cavalaria era repelido, a infantaria ganhava confiança e, por isso, maior possibilidade de resistir. Mas o fogo dos mosquetes também era importante e, se a infantaria não conseguisse executar o tiro com um mínimo de precisão e a cavalaria mantivesse a capacidade de continuar a pressionar, é quase certo que a infantaria acabaria por ceder. Outra forma de "quebrar" o dispositivo era utilizar a artilharia o que era muito difícil atendendo à distância a que esta normalmente se encontrava e à falta de precisão que então se verificava a distâncias maiores. Quase todos os grandes sucessos da cavalaria ocorreram quando os seus oponentes foram apanhados de surpresa, ou estavam já empenhados contra outras tropas, ou já tinham perdido a capacidade de decisão.
No decorrer de um confronto, a dificuldade que a infantaria encontrava frequentemente era a de formar o quadrado em tempo oportuno. Fazê-lo em presença do inimigo era perigoso e requeria muito treino e calma para executar os complicados movimentos para formar o novo dispositivo. Por vezes, não era possível formar o quadrado e a infantaria era obrigada a enfrentar a cavalaria com a formação em linha ou em coluna. Neste caso, para ter alguma possibilidade de sucesso, devia proteger adequadamente os seus flancos.
Dispositivo em quadrado
Inicialmente este contra-ataque teve o efeito desejado pois começou por quebrar o ímpeto da infantaria francesa mas, enquanto a Brigada de Colborne se empenhava no combate, os franceses enviaram uma brigada de cavalaria formada por dois regimentos: os Uhlans do Vístula, cavalaria polaca ao serviço da França, e o 2º Regimento de Hussardos. A chuva intensa que então caiu reduziu muito a visibilidade e impediu que a infantaria britânica se preparasse a tempo para enfrentar aquela ameaça. Pelo contrário, foram surpreendidos de tal forma que apenas um dos batalhões, o último a avançar, conseguiu formar um quadrado.
O 1/3rd Foot foi o primeiro a ser atacado, no flanco direito da brigada, e a cavalaria francesa atingiu logo de seguida a retaguarda dos 2/48th e 2/66th. O 2/31st, ainda ligeiramente afastado dos outros batalhões, teve tempo para formar um quadrado e conseguiu repelir os lanceiros do Vístula que tinham chegado até à sua posição. Este combate entre a infantaria britânica e a cavalaria francesa só terminou quando se deu a intervenção da cavalaria britânica, sob o comando do Major-general William Lumley.
As baixas foram realmente pesadas: o 1/3rd Foot perdeu 643 homens, o 2/48th Foot perdeu 343, o 2/66th Foot perdeu 272 e o 2/31st Foot perdeu 155. No total, a Brigada de Colborne, que tinha um efectivo de 2.066 homens (dos quais contavam 100 oficiais), perdeu 1.413 (348 mortos, 586 feridos e 479 desaparecidos que, na situação em análise, se podem considerar prisioneiros dos franceses). As perdas menores foram do 2/31st que formou em quadrado. Este regimento sofreu algumas baixas ao defender-se da cavalaria francesa mas não sofreu prisioneiros e esta situação mostra-nos bem o valor do quadrado como dispositivo da infantaria para enfrentar o ataque da cavalaria.
Na fase final da batalha, ainda em Albuera, há uma intervenção da 4ª Divisão de Infantaria, sob o comando do Major-general Lowry Cole, de que fazia parte a Brigada de Infantaria portuguesa sob o comando do Brigadeiro-general Harvey. Foi desencadeado um contra-ataque sobre a infantaria francesa, de forma semelhante ao que tinha sido feito pela 2ª Divisão mas, desta vez, foram tomadas as devidas precauções. Consciente do perigo que a cavalaria francesa representava, Cole atacou com a sua divisão britânica em linha, com a brigada de Hervey à direita e a brigada de Meyers à esquerda, mas nos seus extremos colocou batalhões que utilizavam o dispositivo em coluna: no flanco direito, um batalhão formado por nove companhias ligeiras retiradas de todos os restantes batalhões da 4ª Divisão e, no flanco esquerdo, um batalhão da Leal Legião Lusitana. Além deste dispositivo adoptado pela infantaria, toda a cavalaria sob o comando de William Lumley encontrava-se à sua retaguarda.
De forma idêntica ao que tinha acontecido com a Brigada de Colborne da 2ª Divisão, a cavalaria francesa atacou esta força de contra-ataque a fim de libertar a sua infantaria para prosseguir a ofensiva. Quatro regimentos de dragões atacaram o centro da Brigada portuguesa de Harvey. O objectivo era criar uma situação de pânico por forma que esta infantaria não só não conseguisse a eficácia do seu fogo mas também, se possível, que vacilasse e quebrasse o dispositivo. Ao contrário do que a cavalaria francesa esperava, os militares portugueses da Brigada de Harvey mantiveram-se firmes no terreno e não vacilaram perante a aproximação da cavalaria inimiga, mantiveram a coesão do dispositivo e, com uma série de descargas dos mosquetes, efectuadas com calma, repeliram os dragões franceses.
Estes foram acontecimentos em que as tropas portuguesas mostraram estar ao nível dos melhores exércitos da Europa. Albuera é em Espanha mas isso não justifica que aqui, em Portugal, no dia 16 de Maio, este acontecimento tenha passado despercebido. Assim como já não tinha acontecido com a Batalha de Fuentes de Oñoro.
BIBLIOGRAFIA
MUIR, Rory, Tactics and the Experiences of Battle in the Age of Napoleon, Yale University Press, Londres, 1998.
OMAN, Sir Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, volume IV, 1911, Greenhill Books, Londres, 2004.