segunda-feira, 2 de maio de 2011

Fuentes de Oñoro



Apontamentos sobre a Batalha de Fuentes de Oñoro 
3 a 5 de Maio de 1811
A duração da batalha
Comemora-se nos dias 3, 4 e 5 de Maio de 2011 o bicentenário da Batalha de Fuentes de Oñoro, tentativa de Massena para libertar a praça de Almeida do bloqueio imposto pelas tropas de Wellington, manter a posse daquela praça e, desta forma dominar (já tinha a posse de Ciudad Rodrigo) o principal eixo de invasão de Portugal na região Norte. Derradeira batalha desse grande general que foi André Massena, l'enfant chéri de la Victoire, como lhe chamou Napoleão.
A Batalha de Fuentes de Oñoro fugiu à regra ao ser travada durante mais do que um dia. Teve início na tarde de 3 de Maio de 1811, parou ao longo do dia 4 e foi decidida a 5. Se analisarmos as batalhas, não só da Guerra Peninsular mas de todas as campanhas napoleónicas, verificamos que a maioria foi completada num único dia de luta, por vezes utilizando apenas uma parte do dia. Talavera (27 e 28 de Julho de 1809), Wagram (5 e 6 de Julho de 1809) e Leipzig (16 – 19 de Outubro de 1813) fazem parte das excepções. Compreende-se que estas duas últimas batalhas, pelos efectivos que estiveram presentes, se tenham prolongado por mais tempo. Em Wagram estiveram presentes 154.000 homens do lado dos Franceses e seus aliados e 130.000 Austríacos. Em Leipzig os números eram ainda mais elevados pois as forças em presença somavam mais de 200.000 no exército de Napoleão e 360.000 do lado dos Aliados. Efectivos tão elevados demoravam a dispor no terreno e proporcionavam sucessivos combates antes do confronto principal que  devia decidir a batalha. Este não foi o caso de Fuentes de Oñoro em que estiveram presentes cerca de 46.500 homens do lado francês e 37.000 do exército de Wellington.
Quartel General de Wellington em Freineda
in http://www.peninsularwar200.org/fuentesdeonoro.html
A acção de Massena
A descrição da batalha (ver na Wikipédia: Batalha de Fuentes de Oñoro) mostra-nos Massena a lançar um ataque sobre a parte mais forte do dispositivo de Wellington antes de mandar realizar as acções de reconhecimento necessárias para escolher a melhor modalidade de acção. Mas não foram realizadas as acções de reconhecimento, exactamente como não o tinham sido, no ano anterior, quando atacou as posições do Buçaco. Massena atacou as posições da povoação de Fuentes de Oñoro com uma divisão constituída por 10 batalhões. Pouco foi feito a norte ou a sul de Fuentes de Oñoro. As tropas Aliadas resistiram bem, entre recuos e avanços, os ataques terminaram ao cair da noite com resultados nulos e Massena, no dia seguinte, não retomou a ofensiva. Este primeiro ataque às posições defendidas por tropas britânicas e portuguesas custou-lhe 652 homens. Os Aliados perderam 259 e, entre estes estavam 48 portugueses.
No dia 4, Massena ordenou a Montbrun que efectuasse reconhecimentos do lado de Poço Belo e Nave de Haver (a Sul) para se inteirar sobre o terreno, a existência e estado de estradas que por ali passassem, e o posicionamento das forças de flanco inimigas. Estes reconhecimentos demoraram quase todo o dia. Durante a manhã deste dia registaram-se combates de fraca intensidade na área de Fuentes de Oñoro mas estes tinham terminado antes do meio dia. Tivesse Massena realizado estes reconhecimentos antes de lançar o ataque e teria descoberto que o flanco sul dos Aliados estava fracamente defendido. Com base nos reconhecimentos feitos, Massena alterou o seu dispositivo de ataque, obrigando  Wellington a reajustar a disposição das unidades para a defesa.
A acção de Wellington
Wellington colocou a sua 7ª Divisão na área de Poço Velho e a cavalaria britânica em Nave de Haver onde já se encontravam os guerrilheiros de Julian Sanchez. Estas medidas foram manifestamente insuficientes pois, na manhã do dia 5, os Franceses atacaram com força a ala direita dos Aliados criando uma situação de grande perigo para Wellington. A 7ª Divisão, de formação recente e a mais fraca das divisões de Wellington, foi colocada demasiado longe e, perante o ataque da cavalaria francesa, foi obrigada a recuar com o apoio da Divisão Ligeira e da cavalaria britânica. Rory Muir considera que este foi o mais grave erro táctico de Wellington na Guerra Peninsular.
As estreitas ruas de Fuentes de Oñoro
in http://www.peninsularwar.org/images/fuentes2.jp
De facto, Wellington estava preocupado em proteger o bloqueio de Almeida onde ainda se encontrava uma guarnição francesa. Mas, se Massena contornasse o dispositivo em vez de atacar o flanco Sul, a linha de comunicações de Wellington ficaria seriamente ameaçada. De qualquer forma, a eventualidade de ter de atravessar o Côa para procurar posições mais seguras, abandonando o bloqueio de Almeida, seria sempre uma operação que acarretaria grande prejuízo pois Wellington dificilmente  conseguiria salvar os trens e a artilharia. Se as tropas apeadas ou a cavalaria podiam escolher vários (não muitos) pontos de passagem do rio, aqueles equipamentos teria necessariamente de utilizar pontes e, como explica Charles Oman, apenas dispunha de três pontos de passagem a uma distância razoável da posição de Fuentes de Oñoro: Ponte Sequeiro, mais a Sul, a cerca de 16 Km, a Ponte de Castelo Bom, a cerca de 10 Km, e Ponte de Almeida (utilizada por Craufurd no Combate do Côa em 1810 e muito danificada), a 12 Km de distância. Wellington estava bem consciente dos riscos que corria e,  apesar de terem sido preparadas ordens para uma retirada, acreditava que conseguiria deter o avanço francês.

A unidade de comando
John Frederick Charles Fuller escreveu na sua obra A Conduta da Guerra, de 1789 aos nossos dias (p. 33) que Napoleão considerava a unidade de comando a necessidade primeira da guerra. A unidade de comando exige a reunião de todas as forças disponíveis sob as ordens de um único general para que seja possível aplicar de forma decisiva o potencial de combate disponível. Só assim se poderá garantir a convergência de esforços necessária que visa a consecução de um objectivo. No seu nível mais elevado e na perspectiva mais abrangente, a unidade de comando só é possível quando a direcção política e militar se encontra nas mãos de um único homem. Isto sucedeu com Napoleão desde que se tornou Primeiro cônsul em 1800. Mas vamos descer ao nível em se travou a Batalha de Fuentes de Oñoro. O comando da força pertencia a Massena mas, na prática, não funcionou bem assim. 
Ao reorganizar o seu exército para voltar a Portugal, Massena solicitou apoio ao Marechal Bessières que era, então, o comandante do Exército do Norte. Bessières não só não foi generoso no apoio fornecido como decidiu estar presente no local das operações. Massena queixava-se junto do seu estado-maior: "Ele podia ter feito melhor enviando-me mais alguns milhares de homens, mais géneros alimentares e mais munições, e devia ter ficado no seu quartel-general em vez de vir para aqui examinar e criticar todos os meus movimentos" (Oman, p. 304). Bessières apoiou Massena com duas Brigadas de Cavalaria, sob o comando de Lepic e Wathier, e uma Bateria de Artilharia.
No dia 5 de Maio, quando Montbrun, o comandante da Reserva de Cavalaria, pretendeu lançar uma carga geral sobre a 1ª Divisão e enviou ordens a Lepic (do Exército do Norte) para avançar, este recusou mover as suas tropas e mandou dizer que se encontrava pronto para atacar mas teria de receber ordens directamente do Marechal Bessières. Enquanto o Marechal era procurado passou a oportunidade de lançar a carga, isto é, não foi possível obter a convergência de esforços necessária. Não devemos especular sobre o que teria sucedido se a carga de cavalaria fosse lançada em tempo oportuno sobre a 1ª Divisão mas podemos ver o que sucedeu (ou deixou de suceder) por ter sido quebrada a unidade de comando: o ataque francês perdeu o ímpeto, não foi obtido o sucesso no dia 5 e a escassez de recursos e a fadiga das tropas determinaram o fim da operação.
Municiar as tropas
Rory Muir menciona na sua obra que um escritor anónimo do 71st Light Infantry (Highland Light Infantry), da 1ª Divisão, escreveu que o número de tiros disparados pelos homens da sua unidade, durante os combates do dia 3, terá atingido  a média de 107 tiros por homem. É um número de disparos elevado. Em geral, cada combatente de infantaria transportava entre 50 a 60 munições. Quando as tropas são envolvidas em combates intensos podem esgotar rapidamente as munições.
 
Brown Bess, a famosa espingarda britânica utilizada na Guerra Peninsular, in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7f/Brown_Bess.jpg
Os soldados de infantaria britânicos, especialmente os destinados à Infantaria Ligeira, recebiam uma instrução cuidada e, quanto à utilização das armas de fogo, eram provavelmente os que dedicavam mais tempo ao treino de tiro tanto na instrução inicial como na que era planeada anualmente e que hoje chamaríamos “tiro de manutenção”. Neste caso estava previsto realizarem 50 tiros com munição real e 60 tiros com cartucho de instrução (sem a bala). Este último mostra a necessidade de treinar o manejo da arma por forma a manter uma cadência de tiro tão alta quanto possível. Quando em instrução se alcançam velocidades de tiro da ordem dos 4 ou 5 tiros por minuto (tpm), isso significa que em combate essa velocidade de tiro andará entre 1 e 2 tpm e esta cadência não era mantida durante muito tempo. Além disso, no caso da Infantaria Ligeira, o tipo de acção para a qual era preparada exigia, principalmente, precisão no tiro. Os recrutas franceses, segundo David Chandler, não dispunham de mais que dois tiros para treino.
As munições distribuídas inicialmente aos combatentes podiam não ser suficientes até ao fim do combate. Isso dependia da sua intensidade e duração. Não é raro encontrar referências a escassez de munições durante as batalhas. Era necessário reabastecer as tropas e estas iam aproveitando as munições dos que morriam ou ficavam feridos. Normalmente existiam grupos que transportavam munições de armas ligeiras até à frente, o mais perto possível das Divisões. Eram colocadas caixas de munições, a cerca de 50 ou 100 passos à retaguarda da linha combatente, de forma que os homens iam aí levantar as suas dotações quando necessário. Mas para além dos limites impostos pelas munições disponíveis, existiam também limites para a capacidade física do atirador. O escritor anónimo do 71st escreveu: «na manhã seguinte, acordámos surdos, empenados e cansados. Dificilmente podia tocar na cabeça com a minha mão direita; o meu ombro estava negro como carvão».
As tropas portuguesas em Fuentes de Oñoro
As tropas portuguesas em Fuentes de Oñoro – infantaria, cavalaria e artilharia – representavam 32,2% do exército de Wellington e pertenciam às seguintes unidades:
Infantaria
Soldado de Caçadores
A Infantaria portuguesa constituía 32,5% de toda a Infantaria Aliada presente. As brigadas portuguesas estavam, em geral, integradas nas divisões britânicas. Apenas uma brigada actuava independente. Os regimentos estavam presentes com dois batalhões cada e as unidades de Caçadores indicadas constituíam cada uma um único batalhão. Eram as seguintes:
Cavalaria
A Cavalaria portuguesa, 16,8% de toda a cavalaria que Wellington dispunha em Fuentes de Oñoro, estava representada por uma Brigada sob o comando do Coronel Francisco Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, 2º Conde de Barbacena; era constituída 104 sabres do Regimento de Cavalaria 4 e 208 do Regimento de Cavalaria 10.
Artilharia
A Artilharia portuguesa estava representada por quatro baterias (24 bocas de fogo – metade da artilharia disponível) do Regimento de Artilharia 1; estavam presentes 550 homens sob o comando do Capitão Cunha Preto.
As baixas
As forças portuguesas sofreram 48 baixas no dia 3 de Maio - quase todas das companhias ligeiras empenhadas na povoação de Fuentes de Oñoro – e 259 baixas no dia 5 – principalmente de Caçadores 2, 3 e 6 e do Regimento de Infantaria 21. O exército de Wellington sofreu 4,8% de baixas (1.804 homens), e 17% delas eram de tropas portuguesas (307). A percentagem total de baixas pode parecer elevada se comparada com os 2,4% da Batalha do Buçaco mas esteve longe dos 16,7% que viriam a ser registados na Batalha de Albuera.

Bibliografia
Chandler, David G., Dictionary of the Napoleonic Wars, 1979, Macmillan Publishing Co., Inc, New York, 1979.
Fuller, John Frederick Charles, A conduta da guerra (de 1789 aos nossos dias), Biblioteca do Exército - Editora, Rio de Janeiro, 1966.
Glover, Michael, Wellington as Military Commander, 1968, Penguin Books, Classic Military History, England, 2001
Muir, Rory, Tactics and the Experience of Battle in the Age of Napoleon, 1998, Yale University Press, London, 2000.
Oman, Sir Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, volume IV, 1911, Greemhill Books, 2004.
Oman, Sir Charles Chadwick, Wellington's Army 1809 - 1814, 1913, Greenhill Books, 2006



Chartrand, René,

Fuentes de Oñoro, 

Wellington's liberation of Portugal
Osprey

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